A Surpresa do Python: Como Reencontrei o Prazer de Fazer, Longe dos Buzzwords

A Surpresa do Python: Como Reencontrei o Prazer de Fazer, Longe dos Buzzwords

Nos últimos tempos, tenho vivido uma sensação difícil de explicar: uma espécie de platô. Não é preguiça, nem medo de mudança. É algo mais sutil, quase filosófico: uma estagnação de propósito. Depois de anos correndo atrás da próxima grande onda, percebi que não é mais a tecnologia que me desafia, mas a direção para onde o mercado tenta me empurrar.

Quando ser “dono” era parte da graça

Lembro da última grande febre: a migração dos data centers para a nuvem. Na época, parecia inevitável. E em muitos sentidos era mesmo. Mas olhando em retrospecto, percebo o quanto isso nos transformou em inquilinos. É como se todos os proprietários de casas tivessem decidido virar locatários de repente.

Passei boa parte da carreira como “dono” das minhas aplicações. Montei servidor físico, escolhi peças, configurei RAID, afinando kernel de Linux para tirar cada milésimo de performance. Havia um prazer quase artesanal nisso: se algo quebrasse às três da manhã, eu sabia que tinha as chaves — literalmente — para consertar.

Agora, rodamos tudo em nuvem. E sejamos francos: se você executa uma função no Azure e precisa migrar para a AWS, boa sorte. A promessa de portabilidade é mais slogan que realidade. E o pior não é a dificuldade técnica, é a repetição mental: aprender a mesma coisa várias vezes com nomes diferentes. Um provider tem seu jeito de autenticar, outro renomeia cada serviço, outro muda a forma de monitorar. O resultado? Horas, dias, semanas reaprendendo algo que, em essência, é igual. No início é empolgante. Depois de anos, cansa. É como montar o mesmo quebra-cabeça em embalagens diferentes — a imagem final muda pouco, mas você precisa recomeçar do zero sempre.

O sumiço do espírito hacker

Sinto falta da época em que o espírito hacker era a alma da tecnologia. As listas de e-mail, as maratonas de IRC, as discussões de kernel… Havia uma energia de descoberta, um entusiasmo coletivo para resolver problemas pelo prazer de criar.

Hoje, o mercado é movido por produtos e por um imediatismo quase sufocante. Se não está embalado em um serviço “enterprise” ou em uma ferramenta mainstream, muitas vezes nem entra na conversa. Não é que eu seja contra produtos — eles resolvem muita coisa —, mas a dependência total mata a autonomia que sempre me encantou.

Buzzwords: um déjà vu cansativo

As buzzwords sempre existiram, é claro. Já vi modas passarem: SOA, Big Data, DevOps, Web3, FinOps. Agora, a maré é inteligência artificial — e, confesso, nunca vi uma onda tão avassaladora. Cada conferência é uma avalanche de siglas que prometem revolucionar tudo.

IA é fascinante, não tenho dúvida. Mas a obsessão em “substituir o trabalho humano” me desanima. Sempre gostei de fazer, de sujar as mãos, de entender cada linha de código. A ideia de que uma IA vá “fazer por mim” não me motiva. O prazer está em construir, não em apertar um botão para que outro construa.

Com o tempo, a energia para aprender do zero também muda. Quando jovem, você vira noites, quebra a cabeça, reescreve tudo sem dó. Depois de anos de estrada, começa a questionar se vale a pena gastar semanas aprendendo a mesma coisa, só que com outro nome. E aí surge a pergunta inevitável: será que estou ficando velho? Ou apenas cansado de correr atrás de modas que não me dizem nada?

O reencontro inesperado com o Python

Foi nesse clima que, quase sem planejar, revisitei o Python. Não era novidade: sempre usei para scripts rápidos, automações, colar uma coisa na outra. Mas nunca tinha mergulhado de verdade. E, para minha surpresa, foi como reencontrar um velho amigo — só que muito mais interessante do que eu lembrava.

De cara, a sintaxe limpa continua uma delícia. Mas confesso: depois de anos lidando com linguagens mais verbosas como Go, Java, C#, a transição não foi tão automática quanto imaginei. Chegou a ser estranho. Parecia conversar com alguém que não fala, de tão conciso. Era como se eu tivesse que desaprender o excesso de cerimônia que o Java me ensinou para poder aproveitar a leveza do Python.

E aí veio outra surpresa: orientação a objetos e testes. Sim, é quase engraçado admitir. Passei a carreira toda focado em infraestrutura, scripts e automação. De repente, mergulhar em classes, herança, padrões de teste… tudo isso soou novo, quase intimidante. É como entrar em um clube que sempre esteve aberto, mas no qual eu nunca tinha realmente pisado.

O ecossistema, por outro lado, é um convite irresistível: bibliotecas para absolutamente tudo — web, dados, automação, ciência. E a comunidade… gigante, calorosa, vibrante. Participar de fóruns, abrir um PR, trocar ideias em meetups: tudo me lembrou de quando colaboração era regra, não marketing.

Redescobrindo o prazer de construir

Percebi que o problema não era falta de energia nem medo de novidade. Era a direção para onde o mercado insiste em me empurrar. Não preciso abraçar cada hype para ser relevante. Não preciso reaprender a mesma nuvem com outro nome só para dizer que estou atualizado.

O que preciso — e talvez muitos de nós precisem — é de um espaço onde a paixão por fazer e construir esteja viva. No Python, reencontrei isso. Escrever um script elegante, contribuir para um projeto open source, ver gente usando algo que você ajudou a criar… Essa é a fagulha que me fez escolher tecnologia lá atrás.

Agora, meu objetivo é me aprofundar, contribuir para projetos open source e, principalmente, me conectar com quem compartilha essa visão. Porque, no fim das contas, tecnologia nunca foi apenas sobre “o quê”, mas sobre com quem.

Um futuro mais humano

Talvez essa seja a maior lição dessa “crise de meia-idade tecnológica”: o futuro não precisa ser uma corrida interminável atrás da próxima buzzword. Ele pode — e deve — ser sobre pessoas, comunidade e colaboração.

O Python me lembrou disso. E, de certa forma, me lembrou de mim mesmo.